sábado, 24 de setembro de 2011

Ode a Chiquita

    E no momento em que as outras crianças se alinham no pátio para retornar a seus ateliês rupestres de giz de cera e disciplina, Gabriela agradece cordialmente e vai embora. 'É que me apetece, sei lá, ir pra casa'. Sem ter lido a Declaração Universal (saberia mesmo ler?), intuíra o direito de ir e vir. E foi.
    No caminho correu atrás de um gato, atravessou a rua sozinha, tirou a roupa no parque, andou descalça na grama e tentou estabelecer contato com um bebê cuja mãe comprava cigarros (mas ela nem notou). Chegou em casa sã e salva, óbvio, e satisfeita consigo.
    É óbvio também que a esta altura algum adulto tinha calafrios imaginando a tragédia que poderia ter ocorrido a Gabi. Teria sido raptada? Acidentada talvez, essa menina imprudente, duma curiosidade que não se deixava intimidar? "Oh meu deus, protege essa criança e enfia-lhe algum medo na cabeça, que é pro seu bem!". Conhecia Gabi. Não compreendia Gabi.
    Este adulto não era seu pai, e não era sua mãe. Então quem seria seu pai? Um patrão engravatado? Um hippie letrado? Um filósofo, talvez? E sua mãe? Uma governanta americana? Uma princesa africana? Sejam quem forem, viam nela uma pessoa completa, apesar de seus 5 anos. Terão tentado algum dia convencê-la a recusar doces de estranhos? Falharam, para o bem de todos.

sábado, 17 de setembro de 2011

El Chibo de Llosa, da Suécia a Lisboa

A Festa do ChiboA Festa do Chibo de Mario Vargas Llosa
Minha nota: 4 de 5 estrelas

Deram-lhe um Nobel, e me senti na obrigação de conhecer a obra desse peruano. Não precisei procurar muito: logo à entrada da FNAC Chiado encontrei vários títulos em destaque, e sabe Freud por quê (ou não), escolhi esse.
Llosa é tão competente como escritor quanto Balaguer como político. O universo do livro é muito bem composto num complexo de linhas do tempo: a coerência surge gradualmente da primeira à última página, de forma a sustentar a atenção do leitor e à medida que relatos se seguem em ordem não cronológica. Não há heróis ou vilões no livro (mesmo El Chibo foi poupado de tal deturpação), mas história sendo forjada. Há verossimilhança nesta narrativa da queda de um regime ditatorial, levado a cabo (não na Líbia mas) na República Dominicana por Rafaell Trujillo, o bastante para se ter a impressão de que se aprende algo sobre o mundo. Veracidade seria um bônus.

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