sábado, 24 de setembro de 2011

Ode a Chiquita

    E no momento em que as outras crianças se alinham no pátio para retornar a seus ateliês rupestres de giz de cera e disciplina, Gabriela agradece cordialmente e vai embora. 'É que me apetece, sei lá, ir pra casa'. Sem ter lido a Declaração Universal (saberia mesmo ler?), intuíra o direito de ir e vir. E foi.
    No caminho correu atrás de um gato, atravessou a rua sozinha, tirou a roupa no parque, andou descalça na grama e tentou estabelecer contato com um bebê cuja mãe comprava cigarros (mas ela nem notou). Chegou em casa sã e salva, óbvio, e satisfeita consigo.
    É óbvio também que a esta altura algum adulto tinha calafrios imaginando a tragédia que poderia ter ocorrido a Gabi. Teria sido raptada? Acidentada talvez, essa menina imprudente, duma curiosidade que não se deixava intimidar? "Oh meu deus, protege essa criança e enfia-lhe algum medo na cabeça, que é pro seu bem!". Conhecia Gabi. Não compreendia Gabi.
    Este adulto não era seu pai, e não era sua mãe. Então quem seria seu pai? Um patrão engravatado? Um hippie letrado? Um filósofo, talvez? E sua mãe? Uma governanta americana? Uma princesa africana? Sejam quem forem, viam nela uma pessoa completa, apesar de seus 5 anos. Terão tentado algum dia convencê-la a recusar doces de estranhos? Falharam, para o bem de todos.

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